Antes de partir para a aventura difícil foi decidir qual história faria parte desta experiência. Tenho outros eixos de trabalho como atriz e o contato com a contação de histórias se deu em 2009 pela parceria com minha amiga Lara Matos. Certo dia conversávamos sobre desafios para um ator, sobre o estar em cena e ela me falou de sua experiência com a contação de histórias e o quanto é desafiador a relação que se estabelece com o público, o quanto exige do ator certa presença, um jogo que não se esconde atrás de personagem ou cenário. A contação exige que o ator tenha capacidade de levar o público a esse lugar imaginário junto com ele, tudo é construído na hora do ato cênico. Em nossa conversa percebemos o quanto a contação era um espaço de treinamento para o ator.
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Lembro-me que me empolguei muito
com a idéia e decidimos começar a fazer contação de histórias juntas. Com ela
aprendi os primeiros passos de como se contar, o que é importante para a
condução, para manter o "fio imaginativo". Depois comecei a contar
histórias sozinhas também e assim de apresentação em apresentação fui
pesquisando essa linguagem que manteve viva meu trabalho como atriz e que me
deu e me dá muita base para o jogo. Não sei se já disseram isso por dentre as
várias teorias teatrais (com certeza sim), mas acredito que o que mede o trabalho de um ator ou
atriz é sua capacidade de jogar, independente da escolha estética para atuação. Jogar com o outro, consigo mesmo, com o
mundo...
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Desde então convites para
apresentações foram surgindo e a cada apresentação um descoberta, um passo a
mais, um desafio que alguma criança me colocava.
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Leio muitas histórias, mas as que
escolho para contar são as que me atravessam de alguma forma...as que buscam
romper com alguma ordem preconceituosa seja sobre a mulher, sobre o diferente,
pois muitas vezes a história traz pensamentos, comportamentos que podem e devem
ser revisados. Porque continuar contando que os homens são os heróis e as
mulheres frágeis a serem resgatadas? porque as princesas ou príncipes são
sempre louros de olhos azuis?... é preciso inverter certas lógicas para que
possamos conviver melhor com o diferente e que tudo coexiste, afinal nesse
mundão existem heróis e heroínas de várias cores e sabores, ogros que são
príncipes, como o Shrek e por aí
vai...
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Dentre as várias histórias que
gosto de contar escolhi para levar para esta experiência artística as seguintes
histórias:
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"O Braço de Morto" do
Livro Fábulas Italianas de Ítalo
Calvino
"O Príncipe Dragão" do
Livro Volta ao mundo em 52 histórias de
Neil Philip
"Dona Feia" do Livro Dona Feia de Anderson de Oliveira
Ano passado (2012) fiz muitas
apresentações de contação em escolas, eventos, etc da história O Braço de Morto de Ítalo Calvino com algumas adaptações para o
contexto da "Ilha da Magia". Tive muito boa receptividade neste
trabalho, além de me divertir muito com a história em si. Nesta história o que
me chamou a atenção foi a riqueza da narrativa cheia do fantástico e do
imprevisível, no entanto, a saga era de um moço. O que fiz foi inverter e
colocar uma moça, assim a figura corajosa e heróica não seria como de costume,
um homem.
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A história O Príncipe Dragão a saga em si subverte alguns valores com relação
ao que cabe ao homem e o que cabe a mulher? Basicamente a história fala de uma
princesa que faz se passar por um "falso" príncipe e que consegue
salvar seu reino com sua coragem e bravura. Uma história de aventura cujos
acontecimentos colocam a imaginação em grande velocidade.
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Já Dona Feia de Anderson de Oliveira é um história que traz a tona uma
discussão sobre discriminação. Dona Feia assim é chamada sem ser. Inverdades
passadas de geração em geração que criam imagens nem sempre, ou melhor, nunca
verdadeiras sobre alguém, fazendo jus ao velho ditado "quem vê cara não vê
coração". Criei empatia pela história não só por tratar de estereótipos
mas também por retratar um sertão, um lugar não urbano e por nos transportar
para essa outra realidade brasileira.
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